Quando a vida se revela nos pequenos detalhes

 A vida raramente se anuncia com barulho. Não chega com fogo de artifício nem com discursos épicos. A vida gosta de se revelar devagar, quase em segredo, escondida nos pequenos detalhes que tantas vezes deixamos escapar.

É no cheiro do café acabado de fazer, que nos desperta mais do que qualquer despertador. É no riso inesperado que surge a meio de uma conversa banal e que, de repente, dá a sensação de que tudo ficou mais leve. É no silêncio que se instala depois de uma palavra difícil, e que, sem aviso, se transforma em paz.

A vida revela-se no abraço demorado que não estava no guião. No olhar que diz mais do que dez frases bem ensaiadas. No gesto quase invisível de alguém que nos segura a porta, ou que nos oferece o último pedaço de bolo sem hesitar. A vida revela-se na brisa que entra pela janela e parece querer contar-nos uma história antiga, ou no cheiro do pão quente que nos devolve memórias de infância em que não havia pressa nenhuma.

Com o tempo, percebemos que são esses pequenos detalhes que sustentam os dias grandes. Nenhuma conquista é tão valiosa quanto a soma das coisas aparentemente insignificantes: a luz que dança no chão da sala, o som dos passos conhecidos no corredor, a gargalhada que fica a ecoar muito depois de se ter calado. É como se a felicidade fosse feita de fragmentos minúsculos, que só ganham sentido quando nos dispomos a repará-los.

O problema é que muitas vezes corremos demais e esquecemo-nos de olhar. Vivemos à espera de grandes acontecimentos — a viagem, o emprego novo, o amor cinematográfico — e não percebemos que já temos, ao nosso lado, uma sucessão de momentos delicados que valem mais do que qualquer épico. É como procurar o mar e não reparar na beleza da pequena poça de água que reflete o céu inteiro.

A vida está no som da chaleira a ferver, no gato que insiste em deitar-se no meio do caminho, nas conversas meio tortas que acabam em gargalhada. Está no “cheguei bem” que nos chega pelo telefone, no bilhete esquecido dentro de um livro, no cheiro da roupa acabada de secar ao sol.

E, quando nos damos conta, percebemos que a vida nunca nos faltou. Sempre esteve ali, escondida entre uma chávena de chá e a sombra de uma árvore, entre o calor de uma mão que se oferece e a calma que vem depois da tempestade.

É nesse instante que sorrimos, sozinhas, quase em segredo, como quem finalmente entende: a vida não está noutro lugar, não está à espera de acontecer. Ela já acontece, agora, aqui, nos detalhes. E talvez o maior segredo seja este: quem aprende a ver a vida nos pormenores nunca mais fica com a sensação de que ela lhe escapa.


PB

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