O café que me salva mais vezes do que qualquer manual de sobrevivência (Verdade Madalena?)

O mundo pode desmoronar-se em e-mails não respondidos, em contas esquecidas, em prazos que se aproximam como monstros com dentes afiados. Mas basta o cheiro do café para que, de repente, tudo pareça suportável. O café é o meu manual de sobrevivência em capítulos breves: uma chávena pela manhã, outra a meio da tarde, e, às vezes, aquela clandestina, já quase de noite, que promete insónia mas entrega consolo.

Não sei exatamente quando o café deixou de ser apenas uma bebida e passou a ser um abrigo. Talvez no dia em que percebi que o primeiro gole tem mais poder de cura do que qualquer palestra motivacional. Talvez quando percebi que é no silêncio de uma chávena fumegante que encontro respostas que não aparecem em livros, nem em reuniões, nem em conselhos.

O café não resolve os problemas — não paga as contas, não escreve relatórios, não devolve pessoas que já partiram. Mas dá-me uma pausa. Dá-me um intervalo entre o caos e a calma. É como se dissesse: “respira, não vais conseguir salvar o mundo, mas ainda podes salvar esta manhã”.

Gosto do ritual quase cerimonioso. Da chaleira a chiar, do pó a cair chávena, do aroma a espalhar-se pela casa como uma promessa. É nesses minutos que o mundo deixa de ser um lugar apressado e volta a ser humano. Ali, enquanto espero a água passar, sinto que o tempo abranda. Como se a vida, por uns instantes, se inclinasse para o meu lado.

E depois há os cafés partilhados. Os encontros que começam com um “vamos tomar um café?” e acabam em confissões inesperadas. As pausas no trabalho que viram terapia coletiva. O café é desculpa, é cenário, é cúmplice. É sempre mais do que parece.

Às vezes penso que, se me tirassem o café, teria de inventar outra forma de me equilibrar no mundo. Mas suspeito que não seria a mesma coisa. Porque o café é mais do que cafeína: é metáfora. É resistência em estado líquido. É abraço quente num copo pequeno. É lembrança de que posso estar cansada, mas não estou perdida.

E, no fim, percebo que não é exagero dizer que o café me salva mais vezes do que qualquer manual de sobrevivência. Porque os manuais explicam como reagir a emergências, mas não ensinam como atravessar as manhãs cinzentas, os dias sem inspiração, as horas em que o mundo parece demasiado grande. Para isso, existe o café: discreto, humilde, eterno aliado das minhas batalhas invisíveis.


PB

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