Sou filha única… e depois?

Cresci numa casa com eco.

Cada riso era meu, cada silêncio também.
Não havia ninguém para dividir o quarto, nem os brinquedos, nem a culpa pelas paredes riscadas com lápis de cera.

Ser filha única é carregar um espelho inteiro: tudo o que faço reflete-se duas vezes, uma em mim, outra nos olhos dos meus pais. É viver num palco sem irmãos para dividir os aplausos ou os assobios.

Aprendi cedo a conversar sozinha.
Inventava famílias inteiras com bonecos, irmãos invisíveis que sabiam guardar segredos, cúmplices fabricados na imaginação.
Havia um conforto nisso — e um vazio também, como um banco ao lado sempre reservado mas nunca ocupado.

Ser filha única é ter uma mesa posta para três e sentir, às vezes, que falta um lugar.
É ser herdeira única de medos, sonhos e expectativas, um baú pesado que cabe num só ombro.
Mas também é ter um mar inteiro só para nadar, sem concorrência nas braçadas.

E depois?
Depois descobri que filha única não significa filha sozinha.
Há irmãos que a vida nos apresenta: os amigos que ficam, os amores que não partem, os encontros que preenchem a cadeira vazia.
Ser filha única é um rótulo na porta de entrada — mas cá dentro a casa está cheia.


PB

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