Saudade (hoje fazias anos)

Hoje, o tempo acordou com cheiro a ti.

Não sei se foi o silêncio da manhã, o café que arrefeceu sem aviso, ou a música que tocou baixinho enquanto eu não fazia nada.

Mas foste tu. Tu dentro do tempo. Ou o tempo dentro de ti.

Há dias em que a saudade não dói.

Só ocupa espaço.

Anda pela casa como um casaco pendurado no lugar de sempre, como um copo esquecido na prateleira de cima, como uma luz acesa num quarto vazio.

A saudade não é ausência. É só presença no lugar errado.

É aquele abraço que ficou por dar, a frase que não se disse, o cheiro que ainda mora no fundo da memória, mesmo quando a pele já desaprendeu.

O tempo passa, claro.

Mas não leva tudo.

Leva os dias, leva as rotinas, leva até o jeito de pronunciar o teu nome.

Mas não leva o que ficou em mim: o teu riso em dias bons, o teu silêncio em dias difíceis, a forma como olhavas para mim sem querer mudar nada.

É estranho isto: ter saudade de alguém e, ao mesmo tempo, aceitar que a pessoa talvez já não exista como era.

Talvez nem eu seja mais quem era contigo. Mas ainda assim… ainda assim guardo-te.

Devagar, com o cuidado de quem sabe que há coisas que só se conservam em silêncio.

Hoje, a saudade sentou-se comigo pai.

Não disse nada.

Mas ficou.

E, por um momento, pareceu que voltavas outra vez.


PB

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