O Guardião do Equinócio
O outono chega sempre como quem sabe segredos. Não entra de rompante, mas instala-se devagar, como uma mulher que percorre a casa acendendo velas, mudando as cortinas e preparando o coração para a estação das memórias. Dizem que o outono não chega, desperta. Adormecido nas entranhas da terra durante todo o verão, ergue-se no equinócio como um antigo guardião, caminhando em silêncio, trazendo nos bolsos o cheiro da lenha e o sussurro das folhas secas.
As árvores são as primeiras a reconhecer a sua presença: vestem-se de ouro antes de se despirem, como se quisessem recordar-nos que até no fim há beleza. Cada folha que cai é uma carta escrita ao vento, uma mensagem dos deuses lembrando que nada é eterno, mas tudo retorna. Ao cair, elas desenham no chão um tapete de despedidas e promessas, e nesse gesto simples há mais sabedoria do que em muitos livros.
O ar enche-se de uma melancolia doce, uma melodia feita de vento e silêncio, a música dos ciclos que nos recorda que tudo muda e que tudo regressa. O outono é também a estação dos viajantes invisíveis, quando as sombras se alongam para contar histórias esquecidas e os rios murmuram segredos mais antigos que os homens. Quem escuta com atenção jura ouvir vozes na brisa — lendas de colheitas abundantes, de espíritos que protegem as casas, de amores que sobrevivem à passagem do tempo.
Não é apenas uma estação, é um estado da alma. Convida-nos a recolher, a abrandar, a olhar para dentro. Ensina-nos que a despedida pode ser um gesto de amor, e que só quem sabe deixar ir pode florescer outra vez. Assim começa o outono: com a luz a declinar mais cedo, com a terra a respirar fundo e com o coração a aprender, uma vez mais, a beleza da transição.
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