Se eu fosse um planeta
Se eu fosse um planeta, seria um corpo tímido a girar devagarinho na periferia de um sistema solar distraído. Um planeta que nunca gritaria tempestades, mas sussurraria auroras. Dentro de mim habitariam as coisas que não cabem nas prateleiras do mundo: os silêncios não ditos, os abraços que se perderam no trânsito, as palavras que morreram antes de serem boca.
Seria um planeta com mares de memórias líquidas, onde as ondas rebentam histórias em vez de espuma. Haveria continentes inteiros só de infância, e florestas de ideias por inventar. Os rios não correriam para o mar, correriam para dentro, para o centro, onde mora o coração do planeta, quente e mole como pão antes de levedar.
Em mim habitariam os exilados da pressa, os cansados do barulho, os que ainda acreditam no poder absurdo de uma flor que se abre num dia feio. Haveria criaturas lentas, poéticas, com olhos do tamanho de luas, que enxergam dentro das pessoas — mesmo as fechadas por dentro como casas abandonadas.
Seria um planeta imperfeitamente belo, desses que a ciência não estuda porque não cabe na lógica dos telescópios. Um planeta que chora chuva doce e ri em trovões de alegria desajeitada. Um planeta com crateras de perdas, sim, mas onde sempre floresce qualquer coisa depois do luto.
Se eu fosse planeta, seria habitado por tudo o que ainda não aprendeu a morrer.
E tu, que me lês, talvez já habitasses lá — sem saber.
PB
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