Demorei anos a chegar aqui: cheguei cansada, mas feliz

Demorei anos.

Anos de tropeços, de silêncios engolidos à força,
de dores que tive vergonha de assumir.
Demorei a perceber que crescer não é colecionar vitórias,
é sobreviver às derrotas sem perder o coração inteiro.

Não foi fácil, não foi mesmo.
A vida tirou-me o tapete mais vezes do que consigo contar.
E houve dias em que chorei com o travesseiro a ouvir-me
porque era o único que não me interrompia.
Mas não fiquei lá.
Mesmo partida, levantei-me.
Com menos certezas, mas com mais verdade.

Perdi pessoas.
Umas morreram. Outras só deixaram de aparecer.
E aprendi a fazer luto mesmo com gente viva.
Aprendi que há quem nos ame por temporadas
e que isso não nos faz menos dignos de amor,
faz-nos mais atentos aos que ficam sem prazo.

Percebi que perder também é ganhar espaço.
Que quando a vida te esvazia, é para que aprendas a preencher-te.
Não com o que falta, mas com o que és.

Hoje sei que ser mulher não é um rótulo bonito para caber nos discursos.
É um campo de batalha onde se dança de pés descalços.
Ser mãe, então...
É perder-se para depois se reinventar, com menos tempo, mais culpa e uma coragem que ninguém nos avisou que íamos ter.

Ser profissional foi uma travessia.
Quiseram que eu fosse pequena, discreta, certinha.
Mas eu não fui.
Eu fui inteira.
Fui com medo, com dúvidas, mas fui.
Demorei, mas cheguei.
E cheguei com rascunhos, com cicatrizes, com uma força que não grita,
mas sustenta.

Hoje, se me perguntarem o que mudou, eu digo:
a forma como olho o céu.
Aprendi a ver o azul mesmo nos dias nublados.
A agradecer os pores-do-sol mesmo quando o dia foi duro.
A saber que estar viva já é, em si, uma espécie de milagre.

Demorei anos a chegar aqui.
Mas cheguei.
E mais do que isso:
aprendi a gostar de quem fui no caminho.


PB

Comments

Popular posts from this blog

Querida C.

uma espécie de mantra

Boas notas, más notas (ou como tirar 80% e ainda levar sermão)