Cartografia do Amor em Território Imaginário
Dizem que o amor é um lugar. Eu diria que é um mapa desenhado à mão por alguém que nunca aprendeu a orientar-se. Uma geografia com rios que correm ao contrário, bússolas que enlouquecem, continentes que se aproximam como amantes que se reconhecem na curva da pele. Uma cartografia sem escala onde tudo é possível — até o impossível.
Eu amei-te como quem se perde. Como quem sai de casa sem saber se volta. Amei-te com os bolsos cheios de perguntas e a língua embriagada de promessas. Havia em ti uma espécie de pátria por inventar — um território onde o silêncio tinha sotaque e as palavras nasciam já molhadas de chuva.
Tu eras mais lenda do que real. Tinhas cheiro a manga verde e a livros não escritos. Tinhas os olhos do tamanho de uma viagem e os gestos de quem já viveu mais vidas do que as que o corpo aguenta. Quando sorrias, o mundo desmentia a gravidade — e eu acreditava. Como se o amor pudesse mesmo suspender o peso das coisas.
Fiz casa no teu abraço. Plantei futuro no teu ombro esquerdo. E o tempo, com a sua maneira paciente de costurar as estações, fez de nós um território habitável. Uma casa com janelas abertas, onde o vento entra, sim, mas nunca leva.
Trinta anos depois, ainda acordamos de mãos dadas — como quem se agarra a um sonho bom com medo de o esquecer. E não esquecemos. Inventámos juntos os nomes dos dias, sobrevivemos às marés, rimos da sorte e das suas travessuras. A cama já tem a forma dos nossos corpos. O silêncio entre nós é confortável como um velho casaco em tarde de chuva. Sabemo-nos de cor, mas mesmo assim continuamos a descobrir margens novas em cada gesto.
Amar é acordar todos os dias num país que se constrói durante a noite. Onde as histórias já foram sonho, e os sonhos já foram chão.
Eu continuo aqui, ao teu lado, a inventar países com o teu nome. E cada um deles tem o céu inteiro por cima de nós.
PB
Comments
Post a Comment