Sou boa pessoa, mas tenho mau feitio

Sou boa pessoa. Mesmo. Não estou a tentar convencer ninguém, só a lembrar-me disso antes que a minha cara de poucos amigos fale mais alto por mim. Tenho valores, empatia, alguma compostura social (dependendo da hora) e até dou lugar no autocarro. A não ser que esteja a ouvir música, aí, honestamente, não vi.

Sou boa pessoa. Sou mesmo. Tenho princípios, reciclo (às vezes), peço desculpa quando erro (em casos devidamente comprovados por testemunhas neutras), e devolvo o carrinho do supermercado ao sítio certo. Ou seja, sou praticamente um milagre em forma de gente.

Mas tenho mau feitio. Não daqueles que partem pratos, porque isso dá algum trabalho, mas do tipo que fecha a cara como se fosse uma loja em greve. Silenciosamente agressiva, passivo-irritada, dotada da capacidade rara de fazer um “hmm” soar a insulto em três dialetos diferentes.

Não confundir com grosseria, porque eu sou educada. Só não sou fofinha. Não tenho paciência para jogos, rodeios ou gente que fala em caps lock emocional antes das nove da manhã. O meu mau feitio é um dom ancestral, passado de geração em geração, possivelmente herdado da minha avó.

Sou boa pessoa, mas o meu olhar julga antes da minha boca falar. E quando falo, não grito — argumento. O que é pior. Porque tenho lógica, sarcasmo e uma pontaria cirúrgica para desmontar conversas com uma única sobrancelha.

Se gostares de mim, dou-te o mundo. Dou-te conselhos, bolo caseiro, memes personalizados e o melhor silêncio cúmplice que se pode ter. Mas se me pisares os calos... ainda assim serei educada. Só que o meu “tudo bem” virá com a entoação de quem acabou de escrever a tua sentença de morte num diário imaginário.

Não sou má. Só não gosto de injustiças, de hipocrisias, de gente que mastiga alto ou que responde "tanto faz" quando eu pergunto onde vamos jantar.

Sou daquelas que ajuda, que ouve, que está lá. Só não me peças para sorrir para agradar. Não sou centro de atendimento emocional disponível 24/7. Tenho dias em que acordo em modo avião, outros em que estou em manutenção, e alguns em que simplesmente não tenho paciência nem para mim.

Sou leal, sou honesta, sou de verdade. Só não sou simpática para agradar. A vida não é um anúncio de iogurte com probióticos. Aqui há mau humor, sono acumulado e uma lista de pessoas que já me perguntaram se "tá tudo bem?" quando era óbvio que não estava.

Portanto, sim: sou boa pessoa. Mas tenho mau feitio.

E sabes que mais? Funciona. Afasta os chatos, seleciona os fortes e filtra os que sabem rir do caos. Porque no fim do dia, entre um sorriso forçado e uma cara fechada com conteúdo, eu escolho sempre a segunda. Pelo menos é sincera. E vem sempre servida com um bom café.


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