Posso não crescer? please

Crescer é uma palavra traiçoeira. Vem com promessas de liberdade, mas cobra o preço da inocência. Dizem-nos desde cedo que crescer é inevitável, que é sinal de maturidade, responsabilidade, sucesso. Mas ninguém nos avisa que, ao crescer, vamos deixar pedaços de nós pelo caminho — como se a vida fosse uma estrada onde cada passo para a frente exigisse um adeus a algo que já fomos.

Às vezes pergunto: posso não crescer?

Não é medo do tempo, nem da velhice. É só uma recusa serena à pressa com que nos ensinam a endurecer. A esta urgência de ser alguém, de ter um título, um plano, um discurso pronto. À exigência de “funcionar” no mundo como se fôssemos máquinas em vez de pessoas.

Crescer, do modo como nos pedem, parece significar desaprender a brincar, a duvidar, a sentir sem filtro. Exige que deixemos para trás os silêncios que nos acalmavam, as perguntas que nos faziam sonhar, as horas perdidas a ver o céu mudar de cor. Exige que passemos a fingir saber o que estamos a fazer.

Mas… e se eu não quiser?

E se crescer for esquecer o que é ser inteiro? Se crescer for aprender a encaixar onde não cabemos? Se for aceitar que o amor tem horários, que chorar é fraqueza, que a pausa é um desperdício?

Talvez crescer de verdade seja o contrário de tudo isso.

Talvez crescer, no sentido mais bonito da palavra, seja lembrar, e não esquecer. Lembrar quem somos quando ninguém nos está a ver. Lembrar o que nos fazia rir até doer a barriga. Lembrar como era amar sem medo, querer sem estratégia, cair e levantar sem vergonha.

Por isso, à pergunta: posso não crescer?

Posso, sim.

Posso continuar a carregar comigo a criança que fui. Posso protegê-la de um mundo que a quer calar. Posso crescer em corpo, em idade, em ideias… mas sem nunca deixar que me tirem o espanto, a leveza, a liberdade de ser imperfeito.

Talvez o segredo seja esse: crescer sem deixar de ser pequeno onde importa.

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