o que há de nós quando não nos vemos
há de nós uma ausência que pulsa, como se o sangue se recordasse do outro mesmo na ferida aberta.
quando não nos vemos, não é que não existamos.
existimos de um jeito suspenso, feito pássaro que perdeu o céu e ainda assim insiste em voar.
há de nós um eco.
uma sombra que ainda se lembra da luz que fomos.
um nome sussurrado na garganta do tempo, por alguém que talvez já não saiba porquê, mas ainda chama.
quando não nos vemos, habitamos o intervalo entre o toque e o desejo.
somos o quase.
o que quase foi dito.
o que quase ficou.
somos o que resta nos lugares em que já fomos juntos.
o banco da praça que ainda nos espera.
a chávena esquecida na mesa.
o poema a meio na página.
não nos vendo, olhamo-nos por dentro.
e nesse escuro íntimo, acendemos pequenas velas com as memórias.
não nos vendo, sonhamo-nos.
e no sonho somos inteiros.
há de nós, então, uma existência que resiste ao olhar.
um amor que não precisa ser visto para doer.
uma ternura que se escreve no invisível.
uma presença que persiste mesmo quando ausente.
porque quando não nos vemos, é aí que mais somos.
somos a falta que prova a existência.
somos o silêncio que guarda o nome do outro.
somos o espaço vazio onde o amor ainda se senta.
e mesmo que o tempo nos desfaça,
há-de sempre haver de nós
o que nos soube
mesmo sem nos ver.
PB
🌼
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