Saudade

 

Durante muito tempo, vivi presa, refém da saudade e acorrentada a um tempo que já não voltava, a um rosto que não voltaria a ver nem a tocar, a um sorriso que o vento levou e do qual tinha medo de me esquecer. Durante muito tempo temi esquecer-me das pessoas que mais amava, do rosto delas, do cheiro e do sorriso, das pequenas coisas que eram tanto e que me eram tudo. Durante muito tempo vivi presa a esse medo: o medo do esquecimento. Hoje, no entanto, para mim a saudade, já não me deixa presa. Hoje a saudade é uma palavra que dói, mas ao mesmo tempo me aconchega, é como uma ponte que me liga a quem já foi e não volta. Pois se por um lado marca a certeza de uma ausência, por outro faz eco com algo que existiu e foi real.

As saudades, quando sentidas com ternura e com a certeza do amor que nos uniu, já não nos prendem, mas convidam-nos a fazer o caminho de volta, levam-nos pela mão aos momentos bons, para que possamos reencontrar pedaços de nós e dos outros, sem medo de que nos esqueçamos. Não é que a saudade negue a dor da ausência de quem já partiu e não volta, porque essa dor existe e é forte, tão forte que chega em alguns dias a enlouquecer, mas é um sentimento que ao invés de ser muro, que nos separa e isola, nos religa aos que já partiram e nos permite ir ao encontro do que foi bonito, às lembranças do que vivemos, seja a certeza de um afeto, seja o calor de um abraço que está guardado na memória de um sorriso ou o cheiro que nos recorda quem tanto amámos.

Hoje encaro a saudade como uma libertação e não como algo que me aprisiona. Hoje sinto-me afortunada por sentir saudades, por aceitar a sua presença, como quem aceita a visita de um velho amigo. Um amigo que vem e se senta connosco, conta histórias e enche o coração de alegria por tudo o que foi vivido e partilhado, e depois vai embora, deixando o meu coração apesar de tudo, um pouco mais inteiro


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