(Im)Perfeição
Vejo demasiadas vezes alguns
adultos de referência na vida das crianças exigir-lhes o que não fazem e
assumirem-se como modelos de perfeição, sucesso e felicidade que não são na
realidade. Falam de como os miúdos não leem, perdem tempo nas redes e são distraídos,
quando na verdade, em muitos casos apenas copiam os exemplos que têm (ou a
ausência deles!!)
Uma das maiores críticas diz
respeito à leitura, como se a culpa de os miúdos não terem hábitos de leitura
fosse apenas deles. Este assunto é para mim bastante sensível, primeiro porque
adoro ler, segundo porque na minha casa sempre se leu e incentivei os meus
filhos a ler – o que não era difícil porque se habituaram a ver-me sempre com
um livro na mão e, por fim, porque lamento profundamente todos os que não encontram prazer na leitura. Mas quantos dos que criticam os miúdos por não lerem, leem de
facto? E de que adultos de referência podemos falar para lhes incutir hábitos
de leitura? Apenas os pais? E os professores de português? Quantos professores
de português chegam às aulas com livros (para além dos da sua disciplina) e
partilham com os miúdos os livros que leram ou levam alguns, que considerem
bons, prontos para emprestar?? Infelizmente conheço poucos professores de
português que o façam. Não os vejo carregar consigo livros nem partilhar apaixonadamente
com os alunos o livro que leram no último mês. (Eu ainda tenho um professor
assim, que me empresta e dá livros, para já não falar na quantidade de livros
que eu mesma empresto). Fui habituada a ver as minhas professoras de português
a carregar pilhas de livros com elas, que nos mostravam depois nas aulas e nos desafiavam
a ler alguns! Aprendemos por imitação quando somos miúdos, aprendemos pelo
exemplo, não duvido disso. Por isso, uma criança é desorganizada se à sua volta
há caos e desordem, uma criança é violenta se crescer num ambiente hostil e uma
criança gostará de ler se à sua volta se habituar a ver os adultos com livros,
etc… etc.
Por isso, quando vejo alguns
adultos que têm uma importância na vida das crianças a exigir-lhes o que não
fazem sinto-me incomodada. Isso e quando se assumem como modelos de perfeição,
sucesso e felicidade que não são na realidade, ou quando vendem uma imagem de
quem nunca falhou ou errou, para poderem exigir aos miúdos a perfeição. Alguns
adultos, numa tentativa de servir de modelo, falam mais facilmente sobre o que
têm ou conquistaram do que dos obstáculos que necessitaram vencer e das
inúmeras vezes que falharam para lá chegar. Colocam-se a si próprios num
pedestal tal que, exemplo após exemplo, só os vejo criar distância, frustração
e incompreensão.
Não seria mais proveitoso
“descer” do pedestal de virtudes onde se encontram e encarando, olhos-nos-olhos
os mais novos lhes falassem das vezes que falharam, de como caíram e se
levantaram e das vezes em que, mesmo fazendo tudo bem, correu tudo mal???
Se quando os nossos filhos caíam
nos baixávamos à sua altura para encurtar a distância da dor com um abraço,
talvez esteja na altura de voltarmos a encurtar essas distância, de nos
voltarmos a baixar para que, à medida que crescem e as quedas da vida trouxerem
novas dores, eles se sintam compreendidos e validados. Como quando há uns dias
desabafei com um aluno que tinha sido uma aluna média a Geografia (assim, mais
para o médio menos) e ele ficou tão surpreendido por ter descoberto algo em que
eu não era boa que se sentiu à vontade para desabafar o que o afligia e andava
a preocupar, porque, na verdade, sentiu-se compreendido. Afinal a professora de
matemática dele – que era tão boa nos números, não era boa em tudo!! Também já
tinha passado pelo mesmo que ele… Suponho que me tirou do pedestal e me colocou
lado a lado com os restantes humanos. Falível. Normal. E que acima de tudo, também
erra.
Se por cada insucesso dos nossos
filhos e alunos formos capazes de lhes falar de forma genuína dos nossos
fracassos e de como, de modo semelhante já vivemos e sentimos a experiência que
os atormenta a eles agora, se formos capazes de lhes explicar a forma como
lidámos ou não com o nosso falhanço e as nossas dores de
crescimento, seremos certamente mais úteis ao seu desenvolvimento. De
perigosos modelos “ideais” eles já têm uma boa dose de que se alimentar, tanto
na escola como nas redes sociais. Precisamos mais de profissionais reais, que
saibam lembrar-se de como eram na adolescência, de como falhavam, de como era
não serem os mais populares da turma, ao invés de se assumirem como infalíveis
e “donos disto tudo”! Quão mais proveitosas lições lhes dariam e quão mais
amados seriam …
Comments
Post a Comment