ao meu avô Miguel
Escolho sempre o silêncio da manhã para ouvir os sonhos da noite e as recordações que madrugada fora se aninham em mim. Hoje, depois da tempestade, lembrei-me de como corria para a tua cama a meio da noite sempre que um rio, igual ao desta noite, descia do céu. Eras o meu porto seguro, a mão que me acolhia. Viste-me crescer e regaste-me a vida inteira, alimentando os meus sonhos, encorajando os meus passos, festejando cada conquista, abraçando-me a cada queda. Confiavas sempre em mim. Ofereceste-me sempre o melhor de ti. Todos os dias. Não há dia em que não me lembre de uma frase tua, de uma história e de uma explicação sobre as dádivas da Natureza. Acreditavas em Deus, mas explicavas o mundo com base na vida que crescia na tua horta. Os ciclos da Natureza eram as tuas orações e o mundo era tão mais bonito pelo teu olhar e pelas tuas mãos. Deste-me um terço quando eu era pequenina. Deste-me o terço, mas disseste que era a avó que ia ensinar-me a rezá-lo porque tu não sabias. E eu acho que tu não sabias porque tu não precisavas destas orações que monotonamente desfiamos nas contas de um terço. Rezavas de um outro modo, orações em forma de lições e de exemplos... e que bons exemplos me deste sempre. Ainda guardo o terço já velhinho que me deste. Também não o rezo muito, sabes? Falta-me a paciência para desfiar pai-nossos e avé-marias, mas trago-o sempre comigo e quando seguro nas contas já gastas falo contigo, conto-te o meu dia e envio-te abraços cheios dessa saudade que se vai acumulando à força da tua ausência.
PB
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