Dias difíceis

 

Há dias difíceis, dias em que parece que atravessamos o deserto e em que nos interrogamos sobre a justiça das coisas e das pessoas. Há dias longos, dias de tirar a respiração, dias que choramos e dias em que a sofreguidão do mundo à nossa volta parece querer engolir-nos. Há dias em que tudo à nossa volta parece tão vazio de sentido, mas tão cheio de futilidade que nos sentimos escorregar e afundar na escuridão. Há dias tão profundamente escuros que parecem noite cerrada e que devíamos poder escolher não viver. Mas, não. Não podemos evitar os maus dias. Tal como não podemos evitar a fraca densidade de algumas pessoas nem a alcalinidade dos seus pensamentos ou a inconsistência das suas ações. Não. Também não podemos evitar a tristeza. Mas podemos decidir como a atravessar, como a viver e que sentido lhe dar. E saber dar sentido à tristeza, para quem é alegre e naturalmente feliz como eu, é muito difícil. Difícil, mas ainda assim, preciso. É preciso aprender a abrir espaço para a sua existência e a lidar com ela, é preciso aprender a aceitá-la e a deixá-la entrar, dando-lhe lugar e tempo de antena, ainda que sem demasiado destaque. Deixá-la entrar, mas sem a convidar a sentar-se, para que não se demore nem se sinta à vontade para ficar muito tempo. Há sempre uma sensação incómoda quando nos propomos a aceitar a nossa dor e a acolher a nossa tristeza, mas é preciso que nos sentemos no banco dos réus e, de modo a evitar julgamentos ingratos, dialoguemos honestamente com elas. Sem receios.

Há dias difíceis. Longos. Pesados. Dias que me falam da saudade e de todos os que já estão tão longe de mim, ainda que eu os carregue no peito todos os dias. Nestes dias, o meu coração fica mais pequeno com a saudade e encolhe, e como encolhe a dor transborda. Nesses dias, sigo sem rumo e sem planos, como um sem abrigo cansado que, aos poucos e pela falta de esperança, desistiu de caminhar. Nesses dias demoro a adormecer, trago a alma cansada das ninharias do mundo e da desesperança dos dias.

Há dias difíceis. Dias que exigem uma coragem ambiciosa para nos erguermos mais fortes e nos construirmos melhores. Mas somos fracos empreiteiros de nós mesmos. Poupámos nas vigas e não investimos nas fundações. Abanamos ao menor sinal de terra a tremer e não nos fizemos capazes de reagir às hecatombes emocionais. 

Não posso evitar os maus dias nem os dias em que derrotada me vi refém da minha tristeza e da minha dor. Não posso espontaneamente evitar descer às regiões mais profundas de mim mesma nem evitar que estes dias me levem ao profundo esquecimento de mim própria, mas posso decidir como os atravesso, como os vivo e que sentido lhes dou. Posso decidir como regressar à alegria apesar da tristeza, posso decidir edificar-me para lá das batalhas que travo comigo e como apesar de “todos os apesares”, posso voltar a sorrir, a surpreender-me com os pequenos “nadas” e a espantar-me com a imensidão de tudo. 

Nunca fui pessoa de desenvolver processos de apatia numa vida que desejo bem vivida e acordada, nem de me demorar nos lugares onde não sou feliz. 

Haverá sempre dias difíceis.



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